Descobertos seis planetas a orbitarem uma estrela em perfeita harmonia

Descoberta contou com a participação de três investigadores da Universidade do Porto e baseia-se nas observações de uma missão da ESA dedicada ao estudo de planetas fora do nosso sistema solar.

Descoberta contou com a participação de três investigadores da Universidade do Porto e baseia-se nas observações de uma missão da ESA dedicada ao estudo de planetas fora do nosso sistema solar.

Seis exoplanetas que orbitam em torno de uma estrela brilhante em perfeita harmonia: é esta a descoberta publicada, esta quarta-feira, na revista Nature e que promete ajudar a compreender os processos de formação planetária.

O estudo, desenvolvido por uma equipa internacional, contou com a participação de três investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço da Universidade do Porto e do Departamento de Física e Astronomia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, entre os quais o investigador Nuno Cardoso Santos, que começa por explicar ao PÚBLICO que o envolvimento português está relacionado com as observações da missão Cheops (o acrónimo de Characterising Exoplanet Satellite, ou Satélite de Caracterização de Exoplanetas), a primeira missão da Agência Espacial Europeia (ESA) exclusivamente dedicada ao estudo de planetas fora do nosso sistema solar.

Uma família rara de seis exoplanetas foi desvendada com a ajuda da missão CHEOPS da ESA. Os planetas desta família são todos mais pequenos do que Neptuno e giram em torno da sua estrela HD 110067 numa valsa muito precisa. Quando o planeta mais próximo da estrela dá três voltas completas à sua volta, o segundo dá exatamente duas durante o mesmo tempo. A isto chama-se uma ressonância 3:2. Os seis planetas formam uma cadeia de ressonância em pares de 3:2, 3:2, 3:2, 4:3 e 4:3, resultando no facto de o planeta mais próximo completar seis órbitas enquanto o planeta mais afastado faz uma. O CHEOPS confirmou o período orbital do terceiro planeta do sistema, o que foi a chave para desvendar o ritmo de todo o sistema. Este é o segundo sistema planetário em ressonância orbital que o CHEOPS ajudou a revelar. O primeiro chama-se TOI-178.
Crédito: ESA

Sistemas com um número elevado de planetas não é nada de novo, admite o astrónomo, acrescentando que “os sistemas multiplanetários são algo bastante comum e já foram encontrados muitos”. O que é “interessante” neste sistema específico é que inclui seis planetas — “um número particularmente elevado” —, “todos eles relativamente pequenos”. Ou seja, estes planetas são “um bocadinho maiores” do que a Terra, mas todos eles ligeiramente mais pequenos do que Neptuno — este último tem cerca de 18 vezes a massa da Terra.

Outra particularidade deste sistema é que ele é “bastante compacto”, com os planetas a localizarem-se “bastante próximo uns dos outros” e as suas órbitas a obedecerem “a uma espécie de relação matemática”. Por outras palavras, explica Nuno Santos, “os períodos orbitais estão todos relacionados entre eles”. Encontram-se, portanto, em “ressonância orbital”, não existindo “muitos sistemas de vários planetas que tenham ressonâncias orbitais tão precisas, ou seja, em que esta relação seja tão matematicamente harmoniosa”, destaca o investigador.

A ESA sublinha, em comunicado, que este é um “sistema estelar raro com seis exoplanetas” que orbitam a HD110067, uma estrela brilhante que se encontra a cerca de 100 anos-luz de distância, na constelação Cabeleira de Berenice (Comae Berenices, em latim)​. A agência revela mesmo que HD110067 é a estrela mais brilhante encontrada até à data a albergar quatro ou mais exoplanetas.

A ilustração artística do satélite da ESA EXOPlanet ou Cheops em órbita ao redor da Terra enquanto procura exoplanetas.

Uma “relíquia”
Ao analisarem os três planetas mais interiores do sistema, os autores conseguiram calcular as órbitas de todos os seis planetas que o constituem, órbitas estas que variam entre cerca de nove dias para o planeta mais interior e cerca de 54 dias para o planeta mais exterior.

Os seis planetas exercem, portanto, forças regulares uns sobre os outros à medida que orbitam a estrela, o que sugere que o sistema permanece praticamente inalterado desde que se formou, há pelo menos quatro mil milhões de anos, destaca um resumo do artigo publicado pela revista Nature.

“O facto de este sistema se manter muito organizado significa, na verdade, que sofreu muito poucas alterações desde que se formou. Estamos a ver um sistema, no fundo, que é uma espécie de relíquia daquilo que são os sistemas planetários na altura em que se formaram”, sublinha Nuno Santos.

Pensa-se que “apenas cerca de 1% de todos os sistemas [multiplanetários] se mantêm em ressonância”, segundo revela Rafael Luque, da Universidade de Chicago (EUA), principal autor do estudo citado em comunicado divulgado pela ESA. É por isso que este sistema é especial: “Mostra-nos a configuração original de um sistema planetário que sobreviveu intocado.”

As informações ajudam a compreender como é que os “sistemas planetários se formam, quais são os processos físicos que estão por trás e como é que as órbitas dos planetas se vão organizar à medida que eles se vão formando”, diz Nuno Santos. “Há muitas questões em aberto. No fundo, dá-nos indicações importantes sobre os processos de formação planetária”, conclui o astrónomo.

Os investigadores calcularam ainda as massas dos planetas e estimaram as suas densidades, que aparentaram ser relativamente baixas — o que poderá ser explicado por grandes atmosferas ricas em hidrogénio, de acordo com o resumo da Nature.

Nuno Santos nota que “nem todos estes planetas estão completamente caracterizados”. “Sabemos que estão lá seis planetas e sabemos que eles têm todos um tamanho inferior ao de Neptuno, mas maior do que a Terra. Portanto, são provavelmente planetas que têm uma atmosfera muito densa à sua volta, como é o caso de Neptuno”, frisa o investigador, salientando que “não são planetas parecidos com a Terra”.

O astrónomo português nota ainda que a estrela que os seis planetas orbitam “é uma estrela bastante brilhante porque está bastante próxima de nós e isso vai-nos permitir, no futuro, estudar os planetas em mais detalhe e, em particular, potencialmente detectar a composição das suas atmosferas”.

Portugal está também envolvido em projectos como o espectrógrafo para o Telescópio Europeu Extremamente Grande (European Extremely Large Telescope, ou ELT), cujo objectivo passa por “detectar as atmosferas desses planetas e tentar perceber — talvez pela primeira vez — se há alguma assinatura potencial de existência de vida em planetas que orbitam outras estrelas noutros sítios do universo”.

[Filipa Almeida Mendes / jornal PÚBLICO – 29.nov.2023]