O que sabemos do meteoro que cruzou o céu de Portugal na última noite

O que sabemos do meteoro que cruzou o céu de Portugal na última noite

Entre verde e azulado, clarão de luz que iluminou na noite de sábado céu foi observado por muita gente em Portugal e Espanha. Meteorito caiu a norte de Braga no mar.

Teresa Firmino e Sofia Neves / Jornal Público

Segundo os detetores do SMART – um projeto que monitoriza continuamente o céu para
registar e estudar o impacto na atmosfera terrestre de rochas do nosso sistema solar, que
opera no âmbito da Rede Meteorológica e de Observação da Terra do Sudoeste da Europa
(SWEMN) –, o fenómeno começou a uma altitude de cerca de 122 quilómetros sobre a2/6
localidade de Don Benito, na província de Badajoz. Depois, o meteoro deslocou-se para
Noroeste, atravessou Portugal e terminou, tal como também refere a ESA, a uma altitude de
55 quilómetros sobre Atlântico.
Também a Rede de Investigação de Bólides e Meteoritos de Espanha (SPMN, na sigla em
inglês) publicou, este domingo de manhã, uma mensagem na sua conta na rede social X a
informar que o “superbólide”, como o designa, foi registado a atravessar a Estremadura
espanhola e o Norte de Portugal.
Em Portugal, inúmeros os relatos surgiram de imediato nas redes sociais, com a partilha de
fotografias e sobretudo de vídeos. Os relatos iam desde Braga, Porto, Lisboa, Cascais,
Loures ou Évora, por exemplo. “Como este evento acontece entre os 80 e os 120 quilómetros
de altitude, é muito fácil ser observado a grande distância, num raio de quilómetros muito
grande”, explica João Vieira.
Em Sintra, Rita Antunes estava a conduzir naquele momento, a dirigir-se para casa com a
filha, quando viram um clarão no céu: “De repente, apareceu um rasto no céu entre o verde e
o azul, que parecia fogo-de-artifício. Só que em vez de ir para cima, como o fogo-de-artifício,
estava a vir para baixo na diagonal, para o chão.” Ao olharem, as duas pensaram: “Que raio
de coisa é esta? Que coisa estranha”, relata Rita Antunes ao PÚBLICO.
Era mesmo um clarão. “Iluminou o céu. Parecia mesmo fogo-de-artifício. Não era um ponto de
luz no céu. Foi mesmo um clarão. O céu ficou iluminado entre o esverdeado e o azul”, resume
a observadora do fenómeno.
Josep Trigo Rodríguez, que coordena a SPMN, do Instituto de Ciências Espaciais da
Universidade Autónoma de Barcelona, refere em resposta por email ao PÚBLICO que o
meteoro foi visto por “centenas de pessoas” em Espanha e registado em pelo menos dez
estações da rede. “Uma trajectória de bólide bastante rasante permitiu que o evento
sobrevoasse os distritos de Castelo Branco, Viseu, Aveiro e Porto, em Portugal”, acrescenta.

Em relação à luminosidade, “a magnitude deste meteoro foi de cerca de -16, uma magnitude
intermediária, entre a Lua Cheia e o Sol”, aponta.
Josep Trigo Rodríguez também descarta a possibilidade de serem encontrados vestígios do
meteoro no solo. “A atmosfera é um grande escudo para este tipo de rochas cometárias,
geralmente demasiado frágeis para sobreviverem como meteoritos”. O especialista refere
ainda que apesar de o evento ter sido “espetacular para as testemunhas oculares”, o
tamanho da rocha não é comparável com outras que já atingiram o solo terrestre, como o que
caiu em 2013 na região russa de Cheliabinsk.

Foi um meteoro ou um meteorito?

Na realidade, vamos acrescentar outra designação à terminologia científica – meteoróide –,
começando assim pelo princípio. Quando o objeto ou partículas rochosas ainda estão a
viajar pelo espaço, antes de entrarem na atmosfera terrestre, chamam-se meteoróides. São
partículas de materiais que se encontram no interior do sistema solar e são demasiado
pequenas para serem classificadas como asteróides ou cometas.
Ao entrarem na atmosfera terrestre, os meteoróides produzem um rasto de luz originado pela
sua combustão causada pelo atrito com o ar. A esse rasto de luz chama-se “meteoro”. As
estrelas cadentes que tanto nos maravilham são, na realidade, meteoros, tal como o clarão
visto no sábado à noite por muitas pessoas nos céus de Espanha e Portugal. “A luz é
produzida pela hipervelocidade (45 quilómetros por segundo) em que a rocha atinge o topo
da atmosfera, causando a ablação: vaporização e ionização dos átomos do meteoróide e da
atmosfera, que mais tarde emitem luz”, explica Josep Trigo Rodríguez.
Se o objeto ou partícula não se desintegrar por completo na atmosfera terrestre e algum
pedaço chegar ao chão, então temos um meteorito. A maioria dos meteoritos atinge a
superfície terrestre na forma de poeiras ou partículas muito pequenas, é por isso que
normalmente não os observamos ou os observamos como “estrelas cadentes”.
“Meteorito é o nome de uma rocha extraterrestre que chega ao solo. No espaço, chamamoslhe meteoróide, quando tem um metro de tamanho ou menos. As rochas maiores do que um
metro são consideradas pequenos asteróides. O evento de Chelyabinsk, em 2013, foi
produzido por um asteróide de 18 metros de diâmetro e provocou alguns milhares de feridos
por queimaduras (luz intensa) e efeitos de choque (quebra de janelas e infra-estruturas)”,
resume o investigador espanhol.


Pelas informações preliminares da ESA, o meteoro deste sábado não terá sobrevivido até
bater no chão. João Vieira também refreia as esperanças: “Há garantia de que houve um
meteoro muito grande – um bólide –, que rasgou os céus e foi visto desde o Centro para o
Norte do país”, diz o diretor do Centro Ciência Viva de Braga, reforçado que há muitos
registos do Centro do país para cima.
Portanto, na sua viagem até à Terra, este objeto foi sem dúvida um meteoróide e um
meteoro. E, ao que indicam as informações da ESA, se se desfez sobre o Atlântico ou caiu
ainda uma rocha no oceano como meteorito, já não saberemos. “Nas próximas horas teremos
mais dados e cálculos sobre o objeto e eventualmente sobre o local de impacto, que será
calculado com base nas estações da rede AllSky7 existentes em Portugal e Espanha”,
especifica João Vieira a propósito da chegada de mais informação.
Alguns dos meteoritos gigantes que atingiram a Terra estão na origem de extinções em
massa, como a que ocorreu há cerca de 65 milhões de anos e fez desaparecer os
dinossauros e muitas outras formas de vida.

João Vieira explica que um bólide não deixa de ser um meteoro, mas é ainda mais espectacular. “Um meteoro é um rasto luminoso que dura um segundo: é de pequena duração e pequena luminosidade. Um bólide dura vários segundos e tem uma luminosidade maior. Este [observado no sábado à noite] ultrapassou os sete segundos.” Ou, como disse a Rede de Investigação de Bólides e Meteoritos de Espanha, foi mesmo um superbólide. Ou ainda, como realça o projeto o SMART, a claridade causada pela entrada na atmosfera deste objeto fez com que a “noite se transformasse em dia durante um curto instante”.

Que objeto estaria na origem do meteoro?
“Aparentemente, pode ter tido origem num asteróide que passou próximo da Terra. Só vamos
ter a certeza depois de fazer os cálculos da órbita, mas é provável que seja essa a origem”,
responde João Vieira como hipótese. Já Josep Trigo Rodríguez considera ter tido origem num
cometa: “Era um meteoróide cometário de algumas dezenas de centímetros de tamanho,
bastante frágil, de modo que a trajetória de raspagem permitiu um caminho luminoso mais
longo do que o comum.”
Na realidade, um meteoro, o tal rasto de luz que até pode ser um bólide, tanto pode ser
originado por um objeto rochoso de origem extraterrestre que anda no espaço, como lixo
espacial de origem humana, como o resto de algum satélite ou foguetão a reentrar na
atmosfera terrestre.
Estas rochas espaciais que chegam à atmosfera da Terra podem assim ter diversas origens.
Podem ser pedaços de asteróides — como aqueles que existem em abundância na cintura de
asteróides do nosso sistema solar, entre as órbitas de Marte e Júpiter. Ou ser fragmentos que
se soltam de um cometa ou até de um planeta do nosso sistema solar, como Marte.
É um fenómeno raro?
Não é um fenómeno assim tão raro a passagem de meteoros pelos céus portugueses, tal
como testemunham as estações de observação do projeto SMART, que é gerido pelo
Instituto de Astrofísica da Andaluzia, bem como o detetor de meteoros do Observatório
Astronómico de Gualtar. Todos os anos, a Terra ganha umas quantas toneladas de materiais
extraterrestres, entre rochas e poeiras, que caem sobre ela.
“Por ano, caem no planeta 5000 toneladas de micro-meteoritos. A maior parte entra na
atmosfera e desintegra-se e cai como pequenas partículas, como poeiras espaciais”, informa
João Vieira.